A Escola de “Zé Menezes”

Conheci Zé Menezes em 2003 durante o curso de mestrado em música e educação na UNIRIO. A dissertação Por uma proposta de curso superior em guitarra elétrica envolvia além dos referenciais teóricos, do estudo e análise de currículos e do estado da tecnologia, um estudo sobre a história da guitarra elétrica no Brasil. Assim, localizei os pioneiros da guitarra elétrica no Brasil, entre eles, Zé Menezes. Foi quando o convidei para ministrar um curso de extensão, no meu estágio docente na UNIRIO em 2005. Formamos uma turma com alunos de vários instrumentos de cordas dedilhadas: violão, cavaquinho, bandolim, guitarra, inclusive violão tenor. Nessa época ele estava iniciando com Luiz Rocha da ABZ produções musicais o projeto Zé Menezes Autoral, que produziu três CDs com gravações originais da sua obra além da editoração das partituras.

Em 2006 implantamos o Curso Superior em Guitarra Elétrica no Conservatório Brasileiro de Música – Centro Universitário. Foi crescente a necessidade de se organizar o material didático que estava sendo produzido neste curso. Em 2012, surge a possibilidade de se criar um grupo de pesquisa para este fim. Este grupo está registrado na plataforma Lattes com a seguinte designação: Método Avançado de Guitarra Elétrica – A Escola de Zé Menezes. Contou com a participação dos alunos Bruno Scantamburlo e Pedro Autran. A grande oportunidade surgiu na possibilidade de, nessa pesquisa, documentar uma parte da obra e do pensamento musical de Zé Menezes. Ele recebia com alegria e serenidade todos os que se dispusessem a ir à sua casa em Guapimirim, para passar tardes de imersão na música e nas histórias de quem viveu no universo daqueles que fizeram a música nos meios de comunicação desde o início da era do rádio no Brasil, passando pela comunicação televisiva, e ter sua obra gravada e documentada digitalmente no século XXI.

O projeto de pesquisa foi então ganhando forma e os objetivos foram ficando mais claros, sendo um dos principais exatamente fundamentar a prática da guitarra elétrica na música brasileira, alcançando precisão nos detalhes e materiais e abrangência suficiente para poder ser um método de guitarra elétrica no Brasil. Construído com a experiência de dois músicos – um adquiriu notoriedade através de sua longa carreira de sucesso, trabalho, alegria e profissionalismo; o outro, educador e pesquisador em busca de aprofundamento neste instrumento surpreendente que é a guitarra elétrica, além da contribuição dos alunos pesquisadores, que colaboraram participando das visitas ao Zé Menezes, transcrevendo as falas e músicas, editando nas partituras as digitações do mestre e contribuindo ainda com conhecimentos específicos de suas experiências individuais com a música profissional.

É importante dizer que não estou sozinho neste campo de pesquisa sobre a guitarra elétrica, assim faço questão de citar meus pares que durante os anos de pesquisa para a dissertação de mestrado, a implantação do curso superior no CBM e a publicação do método também realizaram suas produções e continuam a pesquisa neste campo. São eles: Hermilson Garcia do Nascimento – Budi Garcia, Professor de guitarra elétrica e estruturação musical da UNICAMP – Doutorado em música com a tese – Recriaturas de Cyro Pereira: arranjo e interpoética na música popular; Eduardo Visconti, Professor efetivo de guitarra elétrica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – Doutorado em música com a tese A guitarra elétrica na música popular brasileira: os estilos dos músicos José Menezes e Olmir Stocker; Gustavo Mendonça, Professor de guitarra no Conservatório Brasileiro de Música – Centro Universitário – Mestre pela UNIRIO com a dissertação A guitarra elétrica e o violão: o idiomatismo na música de concerto de Radamés Gnattali; Rogério Carvalho – Universidade Estadual do Maranhão – Coordenador do Grupo de pesquisa: Guitarra Brasileira: história, estética e ensino; Bruno Rosas Mangueira – Mestrado em música com a dissertação Concepções estilísticas de Hélio Delmiro: violão e guitarra na música instrumental brasileira – UNICAMP; Marcel Eduardo Leal Rocha – Mestrado em música com a dissertação Elaboração de Arranjo para guitarra solo – UNICAMP; Marcello Gonçalves – Mestrado: A obra para violão solo de José Menezes: influências, estilo e contribuições para a literatura do instrumento. Professor substituto de violão na UFRJ, Marcello participou das gravações e shows do projeto Zé Menezes Autoral, como violão 7 cordas e estabeleceu grande afinidade com o mestre durante este trabalho a ponto de Zé Menezes dedicar duas peças em sua homenagem: Relembrando Bach e Na Ginga do Marcello.

Este trabalho teve a honra de receber um prefácio de Roberto Menescal. A grandeza deste músico, que protagonizou a história da Bossa Nova, nos é revelada em sua humildade.

Recebi o método de guitarra elétrica, A Escola de Zé Menezes, e como os autores do mesmo sabem que eu o conheci pessoalmente quando eu estava começando a tocar violão e guitarra e também que o acompanhei de perto durante muitos anos, me pediram para escrever algumas linhas sobre esse trabalho. Levei o método para casa e me debrucei totalmente em cima dele para fazer meus comentários, mas já no meio da leitura, me senti totalmente aquém da grandeza do mesmo, pois pude perceber que não se trata apenas de um método tradicional mostrando as composições de um grande músico, e sim de uma obra filosófica de um mestre das cordas (pois ele tocava todos os instrumentos de cordas) e de uma complexidade artística muito superior a tudo que vi aqui no Brasil. Então só me resta falar um pouco sobre esse mestre com o qual tive o prazer de conviver de perto em muitas das gravações que participamos por esses estúdios no Rio de Janeiro e também em programas musicais de televisões (podem não acreditar, mas havia bons programas musicais nas TVs). Zé Menezes, além de ser um músico genial, era também um ser humano de uma grandeza imensurável [sic]; quantas vezes eu na minha timidez recusava fazer um solo por estar na sua presença, e ele me empurrava dizendo “vai garoto, manda brasa“, e eu morrendo de medo aprendia que a escola da vida estava ali ao meu lado! Pois é, Zé está tendo agora, através desse trabalho realizado por Rogério com a colaboração de Bruno e Pedro, o reconhecimento oficial que não teve durante toda a sua vida. Viva Zé Menezes e os autores desse belíssimo trabalho (MENESCAL, 2014).

Zé Menezes é popularmente conhecido por ser o autor e arranjador do tema de abertura do programa Os Trapalhões. No início dos anos 1970, um programa chamado Os Insociáveis é criado na TV Record com o grupo de humoristas liderados por Renato Aragão. Somente na TV Tupi é que o programa passou a se chamar Os Trapalhões. Em 1977 o programa é levado para a Rede Globo. Para tanto, o recente diretor do programa Augusto César Vannucci, convida diversos compositores e arranjadores, entre eles Zé Menezes.

(…) só tinha grandes arranjadores, foram buscar nos Estados Unidos oferecendo uma nota preta para fazer a abertura de Os Trapalhões, e eu corri por fora, sem pretensão nenhuma, mas, aí eu fiz a minha abertura, cheguei em casa, liguei um gravadorzinho e de cara saiu a abertura de Os Trapalhões, do jeito que eu fiz na guitarra, eu fiz para grande orquestra da Radio Nacional, distribuí, eu fiz dois arranjos, um em Sol maior e o outro em Ré maior que é o original, e a minha abertura no meio desse pessoal todinho foi aprovada, resultado, depois me chamaram para assinar contrato, aí como arranjador (…) então passei para produtor, para trabalhar só em um programa, passei muito tempo trabalhando no Viva o gordo, como produtor e arranjador, depois fiz a abertura do Chico City também, várias aberturas de programa, Levanta Poeira, um bocado de programa daquele tempo, mas foi a abertura de Os Trapalhões que me fez subir para a posição de maestro, arranjador e produtor (MENEZES, 2005).

Sua vida musical é tão grande e intensa que merecia a produção de um filme documentário. Aos nove anos vai ao Ceará para tocar para o Padre Cícero e é por ele abençoado: “vai ser um grande músico”. Nessa época já era conhecido como “Zé do Cavaquinho” e aprende a ler música para tocar requinta na Banda Municipal de Juazeiro. Tocava em bailes e cinemas. Na capital, Fortaleza, já rapaz e tocando violão na Ceará Rádio Clube, cria seu próprio regional atuando por quatro anos nesta rádio. Em 1943, o locutor César Ladeira ouve Zé Menezes tocar no Ceará e o convida a vir para a Capital Federal. Contratado pela Rádio Mayrink Veiga, passa a dirigir dois programas semanais tocando violão, cavaquinho, viola, guitarra, bandolim, violão tenor e banjo, na “Época de ouro” do rádio, no Hotel Quitandinha em Petrópolis, uma vitrine obrigatória para todo o músico de sucesso. Em 1946 passa a tocar na Rádio Globo e na boate Casablanca. Em 1947, vai para a Rádio Nacional, nessa época conhece Garoto (Anibal Augusto Sardinha) atuando ao lado dele no programa Nada além de dois minutos. Solista, participava de todas as formações de orquestras, acompanhando os grandes artistas da época. Na PRE-8, Zé Menezes permaneceu por mais de duas décadas. Na década de 1950, o músico se destaca por um lado como instrumentista e, por outro, como compositor de canções. Nessa época conhece Radamés Gnattali e participa do lendário Sexteto Carioca, onde atuou por anos ao lado de Luciano Perrone (bateria), Vidal (contrabaixo), Chiquinho do Acordeon e Radamés e sua irmã Aída nos pianos. Em 1960, já é então considerado um dos melhores violonistas do país, executando a Introdução da série de Choros, de Villa-Lobos, com a Orquestra da Rádio Nacional, na presença do compositor. Nos anos 1960, Zé Menezes cria a banda de baile Os Velhinhos Transviados que se apresentava de forma sui generis iniciando o baile de forma tradicional com os músicos em traje de gala e tocando gêneros musicais tradicionais. Nos sets seguintes o grupo se apresentava trajando roupas psicodélicas e tocava principalmente rock e outros gêneros que pudessem ser adaptados para a estética pop. Passaram essa década inteira tocando e gravando uma série de LPs antológicos. Em 1970, Zé Menezes, já cansado de viajar pelo país inteiro fazendo baile, vai para a Rede Globo como guitarrista, depois arranjador, depois produtor e maestro. Gravou e atuou com praticamente todos os intérpretes da época estando seu nome em vários encartes de LPs. Em 2005, em pleno século XXI, após toda essa história de sucesso no século XX, inicia uma série de gravações e edições de partituras da sua obra para que a posteridade possa saber quem foi este grande mestre.

Referencial teórico

Em um trabalho acadêmico o referencial teórico é extremamente importante para fundamentar as práticas e aprofundar a experiência. Assim utilizamos basicamente conceitos filosóficos de mapeamento e da música como uma forma de linguagem.

Mapa e decalque

O conceito de decalque e mapa proposto pelo filósofo Gilles Deleuze tem sido utilizado em vários campos do conhecimento. Mapa: visualização de uma sequência de acontecimentos.

O mapa é aberto, é conectável em todas as suas direções, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como uma obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação (DELEUZE E GUATTARI, 2002, p. 42).

Decalque: reprodução literal de uma imagem ou signo. O decalque é uma estratificação, pode funcionar como pontos de conexão do mapa. O decalque pode fornecer uma significação mais precisa ao mapa, “neutralizando assim as multiplicidades segundo eixos de significância e de subjetivação” (DELEUZE e GUATARRI, 2004, p. 23). O que o decalque reproduz do mapa são os impasses, os bloqueios e seus pontos de estruturação.

Música como pensamento e linguagem

Este método de guitarra foi escrito e as pessoas o lerão por dois motivos fundamentais: pelo gosto pela música e por este instrumento fantástico que é a guitarra elétrica. A música é uma espécie de mágica, ela é fascinante, é misteriosa, a música não é palpável, e o músico é o mágico. Quando se ouve uma música interessante, ou impressionante, isso ocorre muitas vezes porque se procura imaginar como é que essa “mágica” funciona. Neste trabalho, Zé Menezes é o “mágico” e o que se pretende é aprender sua música, sua “mágica”. Neste processo serão utilizados alguns conceitos de Sloboda (1997) e Serafine (1988).

Para John Sloboda, professor da Universidade de Keele, em Londres, música é uma espécie de linguagem que acontece como pensamento organizado, categorizado, hierarquizado, estruturado e apreendido pelo cérebro. Neste processo ele descreve quatro etapas ou níveis de estruturação. O primeiro são as unidades fonológicas pois é através da fonologia que o cérebro organiza os sons em “unidades separadas e separáveis” (SLOBODA, 1997). O segundo nível de estruturação é a sintaxe: operando de forma sintática o cérebro categoriza os blocos fonológicos em estruturas sintáticas. Um dos motivos pelo qual gostamos da música de Zé Menezes e porque é uma música muito bem estruturada dentro dos padrões de tonalidade e “gramática” musical, provavelmente fruto das dezenas de anos de experiência deste mestre. O terceiro nível é a semântica, toda estrutura musical só pode se relacionar diretamente a outra estrutura musical ou sob a forma de metáfora a alguma emoção, cor, gosto, estado de espírito ou imagem. Na linguagem escrita e falada a semântica é o que dá sentido às palavras e às estruturas sintáticas, mas na música isto não é tão exato, não existe um significado definido e claro para um som, acorde, escala ou melodia, porém ao reconhecer alguns desses objetos musicais é possível relacioná-los entre si. O quarto e último nível é a memória e esta se relaciona diretamente com fatores emocionais. Uma música que se gosta é mais facilmente aprendida. “Se o significado da música está conectado ao sentimento, então memórias ou lembranças específicas relacionadas à aquisição desses significados devem ser altas em sentimentos, portanto mais prováveis de serem lembradas. A memória deveria agir como tipo de filtro ou concentrador” (SLOBODA, 1997, p. 71).

Como dizia o Radamés, grande amigo, ele dizia assim: ‘Menezes, no arranjo a introdução tem que ser bonita. Você abriu bem a música e fechou com a Coda bonita’. Rapaz, a partir daí eu fui trabalhando. Porque a vantagem de um bom arranjo é uma introdução bonita, uma Coda bonita e uma harmonia bonita com bons caminhos, pra te dar exatamente condições de você fazer frases bonitas. Se você harmoniza mal, você não vai encontrar frase bonita em uma harmonia ruim. O caminho é exatamente a harmonia, uma harmonia bonita, você vai ter frase bonita, é isso ou não é? (MENEZES, 2010).

Hoje, por exemplo, vocês estão aprendendo com professores que sabem, e na realidade vocês estão aprendendo com base, essa base que eu custei muito a pegar. Por que aí eu tinha que intuir, colocar o que eu aprendi da música, da prática que eu toquei na banda de música. Aí eu tive que mudar os instrumentos que eu tocava, que era o violão, o bandolim, o não sei o que mais, aí foi outra luta (MENEZES, 2011).

O depoimento mostra como Zé Menezes entende a força do sentimento na apreensão e compreensão da música e sua relação com a memória assim como Sloboda. Houve uma época que Zé Menezes ingressou em uma banda, tocando requinto (instrumento antecessor do clarinete), e nesta banda desenvolveu os conceitos básicos da música e o senso de conjunto. Os instrumentos de sopro, talvez por suas técnicas de respiração muito próximas à respiração da fala, são poderosos para o entendimento da música e unidades fonológicas.

Mary Lou Serafine entende a música como a atividade de pensar o som ou pensar com o som, daí o termo “pensamento musical” ao invés de simplesmente música. “O pensamento musical pode ser definido como uma atividade áudio-cognitiva humana que resulta na criação da obra de arte, incorporando partes finitas e organizadas de eventos temporais descritos no som” (SERAFINE, 1988). Sua tese é que embora utilizem processos próprios, as ações de compor, interpretar e ouvir utilizam alguns processos cognitivos comuns, “do contrário a forma artística não poderia subsistir por muito tempo. Isso quer dizer que alguns conhecimentos de música dos compositores podem ser também os dos ouvintes e vice-versa (…)” (SERAFINE, 1988, p. 69).

Mary destaca três aspectos fundamentais para uma definição de pensamento musical. O primeiro é a temporalidade da música, a ênfase na organização de um objeto em função do tempo. “O som é o meio através do qual eventos temporais interessantes são organizados, mas, a despeito do fato de o som ser necessário como transportador da música, é ele insuficiente, sozinho, para definir a forma de arte” (SERAFINE, 1988, p. 69). O segundo aspecto diz respeito às relações de apreensão, compreensão e entendimento entre sujeito e objeto presentes em uma música. O sujeito, os processos que são usados para criar; e o objeto musical, onde os processos agem. Ouvir, assim como compor ou interpretar, é um processo ativo, é a criação do entendimento da música no cérebro. O terceiro aspecto que define a atividade áudio-cognitiva é que “o pensamento tem a ver com os sons” (SERAFINE, 1988, p. 69), sua teoria procura excluir todos os pensamentos que não envolvam som. O “som” entendido não só como os sons reais, no meio físico, mas também as imagens mentais de sons que ocorrem internamente, sons que ocorrem na imaginação, no pensamento. De fato, a notação musical pode, através do treinamento, ser relacionada com o pensamento musical. Porém, Serafine sustenta que “materiais inaudíveis” como notação musical, imagens de cores, espaços e objetos não são “pensamentos musicais”, apesar de entender que são itens que se relacionam com a música. “O pensamento musical é a atividade pensar temporalmente com sons, simultâneos e sucessivos” (SERAFINE, 1988, p. 71).

Materiais

Parte substancial deste método foi a produção de diagramas das digitações das escalas, modos, arpejos, acordes, inversões e disposições nos campos harmônicos. O escopo foi o seguinte: escala cromática, tons inteiros e diminuta (simétricas); escala maior, menor harmônica, menor melódica e maior harmônica (diatônicas); escala pentatônica menor e blues; quatro tríades básicas e a tríade suspensa; arpejos e digitações das sete classes de tétrades. Uma parte do aprendizado da guitarra consiste em relacionar esses materiais entre si estabelecendo conexões na forma de mapas e decalques proposto pelo referencial teórico. A contribuição de Zé Menezes neste capítulo foi a de descrever a maneira como ele estudava e propor alguns exercícios e digitações. Porém muito do que foi produzido neste capítulo proveio do trabalho didático realizado no Curso Superior de Guitarra elétrica.

Técnica

Neste capítulo o conceito de técnica envolveu tanto a técnica básica necessária ao desenvolvimento e coordenação motora quanto a conceitos envolvendo a técnica de acompanhamento e a técnica de leitura. Em relação a esta última, o livro de Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase, forneceu informações importantes para a compreensão do processo de leitura musical.

O campo visual de uma pessoa compreende um ângulo de 200 graus e apenas cinco por cento deste campo visual contém uma concentração maior de células necessárias para a identificação de objetos e para a leitura, sendo essa região ínfima do campo visual a “camada de fóvea”. Lendo de uma distância normal a fóvea cobre uma área de apenas 2,54 centímetros de diâmetro, absorvendo as informações em quartos de segundo e pulando para a próxima região de reconhecimento. “Bons leitores à primeira vista captam instantaneamente os traços mais importantes da música e podem de imediato preencher os detalhes, quando não têm tempo para captar todas as notas” (JOURDAIN, 1998, p. 286). Jourdain ainda afirma que “a aptidão para ler fluentemente música tem fortes relações com a capacidade para entender fluentemente música” (JOURDAIN, 1998 p. 286). Tudo depende de como o cérebro entende e elabora previsões musicais, de “como serão transformados os padrões rítmicos, como as melodias serão transpostas, os acordes preenchidos, as frases concluídas” (JOURDAIN, 1998 p. 286). Assim, uma música mais simples, mais previsível é mais facilmente decodificada do que uma que contenha processos mais complexos.

Interpretação e improvisação

Um aspecto que é central neste método é a afirmação de que os conceitos de interpretação são fundamentais para a descoberta da música como arte. Para reflexões sobre a interpretação na música popular brasileira nos apoiamos na obra O Quarteto de Cordas: teoria e prática, um trabalho importante de onde conceitos substanciais serão extraídos:

Para se interpretar uma obra, é preciso trabalhá-la intensamente durante anos, ampliando ideias encerradas em seu interior e nelas efetivamente se aprofundando. É preciso conhecer, descobrir sempre novas dimensões e novas facetas. Descoberta a essência da obra não deixe de ter vida resumindo-se em um esquema sem emocionalidade. A falta de atividade criativa leva a uma interpretação cada vez menos expressiva, sem brilho e espontaneidade. Costuma-se dizer que a obra se desgastou. A criatividade não permite que a obra artística fique enfadonha, repetitiva” (RAABEN, 2003, p. 46).

Outro trabalho, da pianista Marília Laboissière, Interpretação Musical: a dimensão recriadora da “comunicação” poética, insere o tema em um campo multidisciplinar onde a literatura, a filosofia, a semiótica, a antropologia e mesmo a psicanálise dialogam para a compreensão da interpretação no sentido de uma recriação da obra musical.

Hoje se sabe, por meio do pensamento deleuzeano, que, se a tradição persegue a metafísica do logos, é precisamente a différence que torna possível a sobrevivência do texto musical, mantendo suas características formais, entremeadas pela diferença a cada repetição. Daí que a partitura só sobrevive se puder sobreviver. Ou seja, ela sobrevive se puder ser interpretada. A interpretação é, assim, uma das formas possíveis de ativação da partitura, podendo ser ela mesma em sua diferença, o que equivale ao encontro de ‘novas dobras’ para o intérprete. O reconhecimento de que há, na interpretação, pelo menos um outro autor a habitar o texto musical acaba por desmistificar o tradicional esforço da fidelidade absoluta ao original (LABOISSIÈRE, 2007, p. 16).

Há que se optar então, basicamente, por dois extremos na interpretação: como uma cópia do original; ou uma criativa onde o intérprete se torna coautor da obra. Dentro do universo da guitarra é possível encontrar vários exemplos como referenciais, como os diversos grupos que se especializam em realizar interpretações fiéis ou covers das bandas de rock emblemáticas e, no lado oposto, artistas que criam interpretações tão magistrais que acabam por recriar completamente a obra do compositor.

O conhecimento das formas de improvisação abre mais portas para a interpretação. As origens da palavra improvisação se encontram nas palavras impromptu (improviso) e inventio (invenção). A improvisação na música realmente possui similaridades ao discurso verbal. Trata-se de uma criação musical em tempo real que tem como base estruturas pré-estabelecidas (memorizadas) tais como: arpejos, escalas, padrões melódicos, rítmicos ou intervalares. Quanto maior a cultura (memória) musical do improvisador, quanto mais conhecimento melódico e harmônico, mais material haverá para ser utilizado, mas isso não é suficiente, pois se deve ter uma habilidade especial para misturar e modificar esses elementos em favor da musicalidade. Existem diversos sistemas de improvisação e alguns deles se referem a técnicas de composição, porém, aplicadas em tempo real. Essas técnicas de composição utilizadas na improvisação são inicialmente simples e vão adquirindo complexidade à medida que as músicas adquiram especificidades no discurso. Existem diversas maneiras de se pensar a improvisação, algumas dessas maneiras se baseiam em regras de composição musical.

Tecnologia

Atualmente a maioria dos instrumentistas tem que conviver com a eletrônica no exercício da atividade musical. Para o guitarrista isto sempre esteve presente, embora hoje tenham se ampliado as tecnologias. No entanto, é preciso conhecer o rudimentar da eletrônica, pois na maioria das vezes são os elementos básicos: cabos, plugues, jaques e outros componentes básicos que costumam dar defeito. O guitarrista deve ser capaz de resolver pequenos problemas para não ficar refém da tecnologia. Este livro trata deste assunto e também faz uma descrição dos principais pedais de efeitos e seus controles mais utilizados, para que se possa realizar uma regulagem consciente dos efeitos de guitarra.

Experimentalismo

A guitarra elétrica, um instrumento que nasce no século XX tem sua história ilustrada por momentos em que sonoridades não usuais foram utilizadas para realização da música. Em 1969, no festival de Woodstock, Jimi Hendrix interpreta o hino nacional norte-americano entremeado por sonoridades na guitarra que imitavam os bombardeios de napalm no Vietnã. Zé Menezes relata um momento muito especial na história da música brasileira. Este fato ocorreu durante as sessões de gravação da Abertura dos Trapalhões:

Na hora de eu gravar as percussões, já era tarde, o diretor do estúdio havia dispensado todos os percussionistas e eu precisava terminar a sessão. Então eu aproveitei o meu arranjo que está escrito até hoje, e fiz cinco guitarras dobrando com os metais, para ter mais impacto. Você pode ver que a abertura tem mais impacto, por que as guitarras então reforçando os metais. Então aproveitei na hora do samba e passei a fazer cuíca, tamborim, agogô, e tudo na guitarra. Foram cinco guitarras, cada uma fazia um instrumento diferente, preenchi o negocio exatamente com as cinco guitarras, então a percussão não fez falta (Menezes, 2011).

Partituras

As vinte músicas de Zé Menezes que foram incluídas neste trabalho estão disponíveis para download. Basta acessar o site www.slideshare.net e procurar A escola de Zé Menezes partituras. As músicas são: Forró Forrado, Contrapontando, Gafieira Carioca Nº 2, Gafieirando, Dani no Frevo, Encabulado, Uma Noite na Lapa, Nunca Mais, Reco no Choro, Fantasia Sertaneja, Seresteiro, Entre sem bater, Divertimento, Terra Quente, Nosso Jardim, Canção Amiga, Guitarra no Jazz, Guitarra no Choro, Abertura de Os Trapalhões e Três Amigos. Essas edições incluem as digitações para guitarra que o mestre elaborou especialmente para este trabalho. A seguir apresentamos duas partituras que são conduções harmônicas para as músicas Uma Noite na Lapa e Divertimento.

O livro está disponível no site www.perse.com.br, bastando procurar no campo Autor: Rogério Borda. Também é possível encontrar partituras do projeto Zé Menezes Autoral no site http://www.abz.com.br/zemenezes/.

Referências Bibliográficas

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia (trad. Ana Lucia de Oliveira et al). São Paulo: Ed. 34, 2002.

FRANÇA, José Menezes. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Guapimirim, 2003.

______. Palestra gravada em 21/08/2005, durante o curso de extensão e estágio docente: A Linguagem Brasileira do bandolim, cavaquinho, violão e guitarra – Oficina com José Menezes França. UNIRIO, 2005.

______. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Guapimirim, 2010.

______. Site Zé Menezes Autoral. Artbraz Produções: 2010. <http://abz.com.br/zemenezes/> Acesso em 16/09/2014.

______. Depoimento gravado no I Encontro de Cordas Dedilhadas do Conservatório Brasileiro de Música. Rio de Janeiro 2011.

______. Entrevista gravada para o Álbum + 70.  Rio de Janeiro, Itaú Cultural, 2012. Disponível em: http://albumitaucultural.org.br/series/quando-morrer-daqui-a-cem-anos-qu…

GOMES, Rogério Borda. Por uma proposta curricular de curso superior em guitarra elétrica. Dissertação de Mestrado, UNIRIO 2005.

JOURDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação Musical: a dimensão recriadora da “comunicação” poética. São Paulo: Annablume, 2007.

MENDONÇA, Gustavo da Silva Furtado. A guitarra elétrica e o violão: o idiomatismo na música de concerto de Radamés Gnattali. Dissertação de Mestrado, UNIRIO 2006.

RAABEN, L. N. O Quarteto de Cordas: teoria e prática. Tradução de Eugen Ranevsky. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

RUSSEL, George. The Lydian chromatic concept of tonal organization. New York: Concept Publishing CO, 1986.

SERAFINE, Mary L. Music as cognition. The development of thought in sound. New York, Columbia University Press, 1988.

SÈVE, Mário. Vocabulário do Choro: Estudos e Composições. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1999.

SLOBODA, John. Music as language. In: Wilson, Frank & Roermann Franz L. Music and child development. St. Louis, MO: MMB Music Inc., 1997.

TOWNER, Ralph. Improvisation Technique for Acoustic and Classical Guitar. New Jersey 21st Century Music Productions, Inc. 1985

TRAPALHÕES. História do programa Os Trapalhões. Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/humor/os-trapalho… acesso em 28/10/2014.

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